Faltam.....

O dia da estaca

01/11/2010
AYRTON CENTENO
“Foi como um milagre; diante de nossos próprios olhos, em menos de um segundo, todo o corpo se transformou em pó e desapareceu de nossa vista” (Drácula, de Bram Stoker)

    Milhões de brasileiros tomaram este domingo de outubro nas mãos com imenso cuidado. Havia um compromisso. Era preciso devolver as trevas às próprias trevas, o atraso ao atraso, o esgoto ao esgoto, a farsa aos farsantes, o medo ao medo, o ódio aqueles que odiosamente o disseminaram e a hipocrisia de uma campanha aos hipócritas que a conceberam e encenaram. Para depositar o século 13, que recentemente nos visitou, no seu sepulcro de 700 anos. Ao final da tarde, o serviço estava feito e a missão cumprida. Bem antes das 12 badaladas que separam o dia que morre do dia que vai nascer soube-se, afinal, que a escuridão fora tragada pela própria escuridão.
    Neste 31 de outubro, ensolarado para uns, sombrio para outros, os eleitores partiram de casa portando duas armas: voto e vontade. Juntas, ambas transformaram-se, diante da urna, em um instrumento de redenção. Mas foram além. Simultaneamente exorcizou-se o regressismo que acenava com um passado recente, mas também remoto graças aos adereços obscurantistas com que desfilou na campanha. A tarefa necessária foi realizada tendo a luz solar como cúmplice pois, como adverte a lenda, é quando o mal dorme na sua tumba. Vontade e voto viraram estaca enfiada à força de martelo no coração da miséria moral que nos assolou.
    Quando a madeira rompeu a carne, houve um esgar, o pescoço se retorceu, as mandíbulas avançaram, os caninos se projetaram e as mãos ergueram suas garras além do esquife. Mas era tarde demais.
    Morreu, de morte matada, um tipo de fazer política que foge da política para se refugiar na agenda paralela dos temas de convicção religiosa e comportamental, até então ausentes da disputa. Que, sem vigor para andar com as próprias pernas, valeu-se da muleta da religião. Que plantou no ambiente eleitoral o questionamento do Brasil laico, sacramentado em 1899 com o advento da República e da separação entre Estado e Igreja. Que traficou para a campanha um fundamentalismo até então ausente, veículo que carrega consigo a ameaça aos atuais direitos da mulher e tolhe sua luta para alcançar novos direitos como se planteia em qualquer sociedade justa e harmônica. E a negação de plena cidadania aos homossexuais. Distorções destiladas à superfície, mas, sobretudo, nos subterrâneos da infâmia.
    Morreu um tipo de vale-tudo que fez do preconceito contra a mulher alavanca de uma retórica assumida no horário eleitoral – a adversária vista como marionete e despreparada – ou muito mais ofensiva, mentirosa e covardemente expelida nas cloacas remuneradas do telemarketing e da internet. 
    Morreu a pantomima como elemento de campanha. Que levou ao paroxismo a dramatização de um episódio inexpressivo imaginando, afoita e equivocadamente, que o apoio de uma imprensa conivente até a medula seria o bastante para transmutar o pouco em muito, a água em vinho e o fiasco em tragédia.
    Morreu um tipo de candidatura e de candidato que escalou seu caráter como mero serviçal de uma ambição sem limites. Que não hesitou diante de nenhum dos abismos que se abriram a sua frente: o do ridículo, o da mentira, o da calúnia, o do horror medieval.
    Alguém poderá dizer: mas será mesmo que tudo isso morreu? E terá razão. A morte política, eventualmente, permite ressurreições. Como, durante algum tempo, estratégias canalhas tiveram certo grau de retorno, nada impede que alguém as exume da cripta e as ponha a andar novamente. Ou seja, os tempos que virão não nos dispensam de cautela e, de novo, voto e vontade. Por enquanto, porém, a estaca está cravada e o vento já traz, dos sinos ao longe, o dobre de Finados. O 31 de outubro não sorriu para determinados políticos, projetos e práticas. Mas seu dia já os aguarda. Está chegando o 2 de novembro e a terra os espera. Que descansem em paz. Se puderem.
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E LULA engoliu a oposição...

A política brasileira produziu um fenômeno único na América Latina e talvez no mundo: o carismático presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua administração, que gozam de 84% de popularidade depois de seis anos de governo, engoliram a oposição. E não o fizeram com métodos antidemocráticos, mas sim apropriando-se de suas bandeiras. Já se sabia que Lula é um gênio político, que soube vencer as reticências no núcleo do seu próprio partido, o Partido dos Trabalhadores. De fato, dispõe-se a eleger uma mulher, a ministra Dilma Rousseff, como sua sucessora na candidatura à Presidência em 2010, apesar de ela nunca ter disputado eleições e não ser um personagem excessivamente grato ao PT. Mas o que ninguém jamais imaginou é que ele seria capaz de eliminar democraticamente a oposição. Tanto a de direita como a de esquerda.

Como conseguiu? Com uma política que, pouco a pouco, foi escavando o chão sob os pés dos seus opositores.

Cortou as asas da direita mediante uma política macroeconômica neoliberal que está lhe proporcionando bons resultados nestes momentos de crise financeira mundial graças às reservas acumuladas.

Ao mesmo tempo, pôs rédea curta nas pretensões de alguns dos movimentos sociais mais radicais, como o dos Sem Terra (MST), cujas ações têm criticado tachando-as de ilegais e instando-os a respeitar a lei em vigor.

E manteve uma política de meio ambiente das mais conservadoras, algo que agrada aos latifundiários e aos grandes exportadores, que formam o núcleo mais direitista do Congresso.

Também freou as esquerdas. Conseguiu fazer calar a esquerda minoritária com uma política voltada para os estratos mais pobres do país, o que fez com que seis milhões de famílias passassem às fileiras da classe média baixa, abandonando seu estado de miséria atávica.

Abriu o crédito aos pobres, que agora, com pouco dinheiro, podem abrir uma conta no banco e ter um cartão de crédito - o que os converte em partícipes da roda da economia nacional.

Para a outra esquerda, a moderada, também tornou as coisas difíceis. Hoje em dia, para o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), a agremiação oposicionista com maiores possibilidades de ganhar as próximas eleições porque conta com dois grandes candidatos (os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves), é mais difícil fazer oposição. Os dois aspirantes do PSDB sabem que não poderão ser eleitos contra Lula. Por isso, só falam, como acaba de fazer Aécio Neves, de uma era "pós-Lula", com um projeto de nação que aporte algo novo ao projeto do presidente, que já goza do consenso da grande maioria do país.

Desde o primeiro dia de sua chegada ao poder, Lula tem mantido Henrique Meirelles, do PSDB, como presidente do Banco Central. Conservou e ampliou o projeto social "Bolsa Escola", criado pelo PSDB, batizando-o como "Bolsa Família". Esse plano ajuda hoje 12 milhões de famílias e nenhum partido da oposição se atreveria a criticá-lo. Desde seu primeiro mandato, Lula não só demonstra ter sabido congregar apoios de 12 partidos ao seu governo, como até o momento logrou manter amizade com os candidatos opositores Serra e Neves.
Ambos, além disso, desfrutam de boas relações com o PT, e inclusive não descartam governar junto ao partido de Lula se chegarem ao poder.

Mas não há realmente espaço para a oposição no Brasil? Porque, se assim fosse, haveria quem considerasse isso um grave obstáculo para uma autêntica democracia. Poderia haver, segundo vários analistas políticos, como Merval Pereira, mas o problema está no fato de que a oposição se assustou com a popularidade de Lula. Há até políticos opositores, sobre tudo dos governos locais, que buscam uma foto junto a Lula para ganhar pontos com seu eleitorado.

Se a oposição desejasse, dizem os especialistas, poderia exigir de Lula que levasse a cabo as grandes reformas de que este país ainda necessita para decolar na cena mundial, como a reforma política (é possível governar com 30 partidos no Congresso?); a fiscal (Brasil é um dos países com maior carga tributária: roça os 40%); a de Segurança Social (Lula só a realizou em parte e, apesar de um escândalo de subornos a deputados para que votassem a favor, ficou pequena); a agrária (não saiu do papel); a da educação (no Brasil ainda não é obrigatório o ensino secundário e a qualidade deste é considerada como das piores no mundo); e, por último, a penitenciária (os suicídios dos presos aumentaram no ano passado em cerca de 40%).

Artigo publicado no jornal El Pais
JUAN ARIAS é jornalista.
© El País.

Agradecimentos!

Agradeço, de coração, a comadre Ozita e a meus irmãos Ruth Helena e Walter Vaz Jr. pelo apoio, no Encontro Estadual. Walter fotografou e Ruth filmou. Sem eles não seria possível tudo o que está aqui no blog!
Bjs e valeu!